ENSAIO SOBRE VIRTUDES
Robôs e humanos. Platão. Governantes. O amor sublime
Os robôs podem ser humanos?
Num enxame de insetos, é natural que os indivíduos cumpram a sua missão automaticamente. Funcionam como robôs, sem livre escolha, sem singularidades.
Ao passo que num conjunto de autómatos de IA regenerativa avançada, com programas e utilizações diferentes, todos atuarão diferentemente em estímulos iguais (as respostas em ChatGPT e em DeepSeek a um mesmo tema não são idênticas). Tendo programas, armazenamento de apoio e autoaprendizagem possivelmente semelhantes, não são em tudo iguais. Além disso, os robôs com IA regenerativa, se por enquanto ainda estão longe, pensa-se que, um dia, poderão mesmo apresentar autonomia e individualismo, constituindo uma nova forma de vida.
Então, nessa nova forma de vida, ter-se-á que estabelecer para os robôs o procedimento que se considerar necessário: regras, normas de atuação, digamos as leis robóticas a que se devem submeter na interação entre eles (e com os humanos). Isto é, os robôs poderiam, assim, considerar-se semelhantes aos humanos se fossem organizados com leis semelhantes às que os humanos têm. Lembrar que a espécie montou mesmo um sistema pormenorizado (lei escrita) que obriga ao procedimento de acordo com o que está legislado: ...é a Justiça. Com uma Justiça também digital para os robôs, teríamos, efetivamente, nesta nova vida, uma cópia confiável da vida humana?
Penso que não. Além das ligações já inatas, nesta evolução de quatro milhões de anos da humanidade, o funcionamento cerebral da espécie foi muito ampliado desde o aparecimento, há cerca de trezentos mil anos, do sapiens sapiens, com muito maior massa encefálica; e depois aprimorado, após o início do neolítico, com o sedentarismo, a agricultura (há pouco mais que dez mil anos), sublimado mesmo, a seguir, com os pensamentos registados desde a civilização egípcia e Hammurabi na Babilónia (há 1700 a.C), passando por Moisés, Confúcio, a Antiguidade Clássica, as Religiões do Livro, as sucessivas conquistas da ciência positiva. Assim, a humanidade tem, presentemente, no cérebro da espécie, estruturado, independentemente da lei escrita, um conjunto de procedimentos que julga mais adequados para a vida individual e coletiva. É a ética, é a moral, é a consciência no sentimento de si (Damásio), que vão passado de geração em geração: na família, ministrados nas escolas e nas igrejas, amadurecidos introspetivamente em cada vida. Uma pessoa pode ter um procedimento correto segundo a lei, ...mas não o ter na consciência coletiva. Ora, quando se têm este procedimento, considerado “o bem” a que não se é obrigado por lei, pode dizer-se que o procedimento é virtuoso. De facto, define-se virtude (Dicionário Priberam):
«Disposição constante do espírito que nos induz a exercer o bem e evitar o mal. Conjunto de todas ou qualquer das boas qualidades morais.»
Ou seja, invoca-se praticar o bem e evitar o mal, como sendo qualidades humanas consideradas virtuosas, segundo a lei escrita ou `independentemente dela no inconsciente coletivo de uma dada comunidade´.
Não se vê, presentemente, como os robôs possam ser capazes de ter esta virtuosidade como os humanos, dada a imensa variabilidade de escolhas possíveis (e muitas imprevisíveis) em cada vivência.
Virtudes que são referidas desde sempre no pensamento humano e, por exemplo, sublinhadas na Antiguidade Clássica.
Aceita-se que os humanos possam ser robôs se condicionados nos seus actos e pensamentos (um exemplo atual é o do soldado norte-coreano obrigado a matar-se para não ser aprisionado, violentando a homeostasia), mas, na generalidade, transcendem os robôs. Se não for coagido, o humano é livre nas suas cogitações e na escolha entre o que considera o bem e o mal: entre ter virtudes ou não.
Avaliação de virtudes humanas
Segundo Platão, as virtudes são forças da alma que direcionam as pessoas para o bem. Ele considerava que as virtudes eram essenciais para a harmonia da sociedade e da alma, e prescreveu:
● Sabedoria (vi): ponderação, ciência para decidir com boas deliberações.
● Coragem (vii) Conservá-la no meio das dores, dos prazeres, dos desejos, dos temores, sem jamais a abandonar.
● Temperança (viii): Continência de certos prazeres e apetites, isto é, ser senhor de si e não escravo de si mesmo.
● Justiça (x): Ocupar-se dos seus assuntos, não se metendo nos dos outros. A virtude que harmoniza todas as outras e promove o bem comum.
Platão enumerou as qualidades que uma cidade deve ter para funcionar racionalmente. Acreditava que as virtudes eram acessíveis a todos os seres humanos. Argumentava que cultivar essas virtudes não só melhorava os indivíduos, mas também contribuía para o bem-estar e a justiça na sociedade.
Platão também considerava importante manter coerência entre pensamento, sentimento e ação.
Texto itálico acima: composição com informações colhidas no livro A República, de Platão, livro IV (vi, vii, viii e x) e no Google.
Às virtudes de Platão, o autor acrescenta:
● Lembremos que Confúcio (552 a 489 a.C.) defendia o respeito pelos chefes e pelos governantes, mas que “estes, por sua vez, devem agir com virtude”. Terão os nossos governantes, todos, a virtude confuciana, quando dão o mau exemplo de se acusarem uns aos outros, quanto a terem falta de competência ou de ética, deixando, assim, a induzida ideia de que nenhum é virtuoso?... Terão virtude governativa quando parece que primam em fazer passar à estaca zero decisões de um Governo anterior? São benquistos pelo povo que governam, quando uma percentagem exagerada de eleitores considera inútil votar nos plebiscitos? Quando dificilmente conseguem consensos nos investimentos destinados ao futuro dos vindouros? Os casos da aeroporto de Lisboa, que levou 50 anos a decidir (passando por Ota, Alcochete, Montijo e novamente Alcochete) ou o vaivém da privatização da TAP são paradigmáticos.
Um bom governante deve procurar ter antevisão sobre o que é provável vir a acontecer, antevisão que exige uma boa formação histórica (sem esquecer o Cisne Negro de Taleb…), e deve fazer sempre um planeamento para o futuro, com o devido acompanhamento depois, para que seja atingido o objetivo pretendido, sem desvios na realização e no tempo previsto.
● Diz-se, num banqueiro, que a prudência rende dividendos (prudência incluída no tópico sabedoria, de Platão).
● Numa comunidade, e em general, as maiores virtudes, além das preconizadas em Platão, são a honestidade (ausência de corrupção, cumprimento da lei e da ética que obedece ao inconsciente coletivo), a entreajuda e o empenhamento na realização pessoal e no bem comum.
● NOTA: No catecismo católico, as virtudes teologais são três: fé, esperança e caridade; as morais, que se chamam também virtudes humanas ou cardeais (que parece terem sido copiadas de Platão), são quatro: prudência, justiça (idem em Platão), fortaleza (o mesmo que coragem em Platão) e temperança (idem em Platão). Diferem nas designações: em Platão sabedoria e, no Catecismo, prudência. Ora, as definições são: Prudência: ponderação, moderação, precaução, do latim `prudentĭa´→ sensatez. Sabedoria: saber, conhecimento rigoroso da verdade bom senso. Pode-se dizer que prudência (como sensatez) coincide no seu sentido com sabedoria (como bom senso).
● O autor repete o que já escreveu num dos seus livros: «Platão dizia que as mulheres têm competência qualitativamente tão grande como os homens.» Agora acrescenta: em média, têm menos força, mas mais virtudes e maior valor nas leis da vida.
● Sobre as virtudes femininas repete, também, o que escreveu numa das suas mensagens: Quando uma mulher, sem ligação legal a um homem, aceita ofertas dele, não se considera virtuosa, pois sentirá que está implícito, nessas ofertas, tradicionalmente, o desejo de uma contrapartida sexual, visto ser essa a tradição na maior apetência masculina, segundo a reprodução sexuada nas leis da vida. Ou seja, ela, nessa ideia implícita de cedência do uso do seu corpo, como paga pela oferta, pensará que está a aceitar prostituir-se. Procedimento que é considerado uma desonra nas convenções sociais, embora nem sempre tenha tido esse libelo, como, por exemplo, aconteceu na Babilónia, onde as mulheres, até as ricas, faziam legalmente tal troca. [*]
Sublinha-se que num casamento, ou noutra ligação legal, não há prostituição na união dos corpos, porque esse enlace pressupõe a união, existindo mesmo para isso na reprodução. Assim, uma oferta material de um esposo à sua esposa pode ser encarada não como um pedido de contrapartida, mas como um agradecimento pelo carinho que recebe. Da parte da esposa, recusar essa oferta pode ser recusar que haja uma relação oferta-carinho, mas pode ser sentida masculinamente como desprendimento.
● Num homem, e em particular num militar, impõe-se que tenha coragem.
● Numa mulher, na generalidade, recomenda-se que tenha pudor, dada a sua importância na vida como mãe e para merecer sempre a veneração dos filhos.
● Também é uma virtude feminina a ternura. No que sente o homem, traduz-se na ternura e desvelo que teve da mãe e no amor e companheirismo que tem da companheira.
● Voltando à diferença entre um robô e uma máquina, finalmente tal diferença pode sintetizar-se na incapacidade absoluta de um robô sentir o sublime amor humano expresso pelo êxtase de uma mãe a quem acabam de pôr o seu bebé nos braços, após um parto dolorido. Sangue do seu sangue, um pedaço de si, o maior amor do mundo.
[*] Texto em Wikipédia: «A tradição babilónica (cerca de 2000 a.C.) mais obscena é a que obriga todas as mulheres do país a sentarem-se no templo de Afrodite e a terem relações sexuais com um estrangeiro pelo menos uma vez na vida (era um procedimento imposto pelos governantes para ligar os povos do império à centralização na cidade). Mesmo as mulheres ricas e altivas, que evitam misturar-se com o povo, deslocam-se ao templo, conduzidas em carruagens fechadas, e ali ficam, rodeadas por uma grande quantidade de servidores. Mas a maior parte das mulheres sentam-se no altar sagrado de Afrodite, com coroas de corda na cabeça; há sempre uma grande multidão de mulheres a irem e a virem; os homens passam por entre a multidão em corredores marcados por linhas, para fazerem a sua escolha. Depois de tomar o seu lugar, as mulheres não podem regressar a casa até que um qualquer estranho lhes tenha jogado dinheiro para o colo e tenha tido relações sexuais com elas no exterior do templo; ao atirarem o dinheiro, os homens têm de dizer: "Convido-te em nome de Miita”. As mulheres não podiam recusar o dinheiro, fosse ele muito ou pouco; aliás, as mulheres nunca podiam recusar, pois tal seria um pecado, uma vez que, por este acto, aquele dinheiro passara a ser sagrado. É por isso que elas seguem o primeiro homem que lhes oferece dinheiro e não recusam ninguém. Depois das relações sexuais, tendo cumprido o seu dever sagrado para com a deusa, as mulheres regressavam às suas casas; e daí em diante, nenhum dinheiro, por muito que fosse, as obrigaria ao mesmo. Por isso, as mulheres que eram altas e belas rapidamente ficavam livres para partir, mas as mais feias tinham muito que esperar por terem dificuldade em cumprir a lei; algumas delas eram obrigadas a permanecer no templo durante três ou quatro anos».
Nota do Autor: Era uma escravatura sexual sobre o corpo feminino, generalizada. Embora possamos dizer que a espécie muito pouco mudou de selvajaria, nos 10 000 anos de civilização, quanto às guerras cruéis, …em muita coisa `a evangelização das religiões por todo o mundo´ atenuou esta escravatura sobre as mulheres.
Continua a existir, por exemplo, na mutilação feminina e na discriminação negativa que algumas comunidades lhes fazem, mas não assim tão animalesca, legal e generalizada em nenhuma civilização que se preze.
As civilizações atuais mais evoluídas estão presentemente, mesmo, a confiar no maior bom senso pacificador das mulheres, para as preferirem em quantidade nos seus governos. Insisto muito nesta ideia de valorização feminina no governo dos homens, porque penso que só assim poderemos ter esperança de atenuar a lei da selva em que a progesterona teima em assolar o mundo. Penso, também, que `o propósito orientador de Leão XIV pela paz´ só será conseguido se, finalmente, promover a ajuda ativa e poderosa da Mulher.